26 agosto 2011

Entre Estrelas e Vagalumes

A nossa impotência diante de certos problemas, a nossa cegueira na escuridão que nos faz buscar soluções prontas, criadas para agasalhar nossa esperança de que há um caminho com setas e hospedagens. Mas não há caminho. Porque na verdade nós o criamos a cada segundo que passa.
Cada indivíduo deve arriscar a caminhada no escuro, tropeçar, bater a cara no muro, se sujar na lama, ralar os joelhos, criar calos, sentir medo e também desfrutar os momentos de confiança, respirar a consciência aventureira da criança que tenta dar os primeiros passos, desgarrando-se dos braços firmes dos pais.
De que adianta imaginar como seria. A realidade nunca é como imaginamos. Cada um deve fazer a sua caminhada, única e singular. Criar seu caminho através das pedras e das flores. Das poças e chuvas à grama e sol.
Encontrar em si as soluções. As respostas estão dentro de nós. Nossas próprias decisões são as respostas. O silêncio, o diálogo consigo e o ato de interpelar-se, auscultar-se, interrogar-se, são os motores para essa descoberta. E é o que menos se faz hoje. O medo de ouvir-se e perceber que a própria voz pode ser contrária com as do que nos cercam. Esse medo natural, avisando que ficar seguro é o melhor a ser feito.
Mas como se saberá o que se é melhor? Bons exemplos devem ser seguidos e cada um sabe o que é melhor pra si. Agora o momento em que se descobre o que é melhor pra si, é quando olhamos pra trás. Esse é o momento em que vemos o caminho que trilhamos e analisamos os tropeços e acertos para poder continuar caminhando.
Por isso não existe o "nunca olhar pra trás". Há de sempre se olhar para trás para poder não andar em círculos. Fórmulas prontas são feitas para curas superficiais. A verdadeira resolução está na descoberta individual do seu próprio remédio. E esse só aparece quando paramos o tempo e simplesmente nos ouvirmos.
Alguns amigos são como estrelas ou vagalumes. Às vezes os sentimos longe. Às vezes estão bem perto. Alguns brilham tanto que basta a sua presença para iluminar toda a nossa caminhada. Outros aparecem de quando em vez, despontam numa luzinha singela e nos mostram um ponto de chegada. Ambos surgem para ajudar-nos a enxergar o que ainda não podemos ver. Entretanto, nem estrelas nem vagalumes são capazes de mudar alguma coisa ou de construir um caminho.

21 agosto 2011

It's a long way

clê,
desculpa a demora pra te responder.
quando tu viajastes, centenas de grossas correntes entrelaçaram meu peito.
todo dia, todo santo dia, elas me apertam mais um pouquinho.
só que eu descobri uma coisa: quando a música no meu carro tá muito alta, é como se as ondas sonoras me libertassem desse nó.
eu canto desesperadamente, coloco o braço pra fora do carro, e canto bem, bem alto, pra ver se tu consegue me ouvir aí, em minas.
mas eu nem sempre estou no carro, faculdade dirijo casa dirijo trabalho dirijo casa. são pequenas injeções de momentos em que eu não me dôo com essa saudade imensa de ti.
a cidade continua quente e cheia de buracos. a diferença é que agora eu escolho as ruas que tenham mais buracos, assim eu dirijo mais devagar e fico alguns minutos a mais sem essa dor no peito. deu pra entender?
parei de adiar tudo pras férias, te contei? aquele livro a pintura do quarto a faxina do guarda-roupa a tatuagem o esmalte vermelho as caminhadas o chororô o cigarro a ioga. tudo. tô fazendo tudo.
enfiei na cabeça que o tempo que eu tenho é esse e pronto. listei tudo, pra não esquecer do que quero fazer mas não sigo necessariamente ordem alguma, da lista. é só pra não esquecer mesmo. pena que você não tá aqui pra ir tomar banho de rio comigo, em plena quarta-feira.
desenterrei uns cd's e tenho ouvido muita coisa antiga. tô te enviando um cd com essas músicas, você pre-ci-sa ouvir transa, do caetano veloso. "woke up this morning/ singing an old, old beatles song/ we're not that strong, my lord/ you know we ain't that strong" ou até "i'm alive and vivo muito vivo, vivo, vivo/ feel the sound of music banging in my belly/ know that one day i must die/ i'm alive". Lindo.
não vou me prolongar. preciso ir, hoje fico até as 20h no trabalho. a parte boa é que eu tenho uma rua bem esburacada pela minha frente.
p.s.: eu sei que você odeia quando as pessoas esquecem das letras maiúsculas. por isso, me policiei pra escrever sem nem uma, pra ver se você fica bem agoniada e volta logo pra casa. repare que esqueci muitas vezes e tive que usar corretivo. desculpe por isso também.
amor,
lis.



09 agosto 2011

Dia 21

Estavámos os dois sentados na varanda dos fundos. Fazia tempo que não tínhamos um tempo pra nós, e ali revolvemos ficar lendo aquele livro de contos, escolhido na sorte de olhos vendados no sebo recém descoberto perto de casa. Ele continuou lendo, mas minha mente ainda trabalhava neste trecho:

"É que cansei. Fartei-me. Vinte. Mais de vinte anos a dividir, viver, absorver desabafos, e a conviver e sobreviver... com desabafos. Teus desabafos. Tenho sido companheiro, amigo, irmão, padre, amante, analista, confidente. Um tudo de pouco. E de muito também. Logicamente levando em conta minhas limitações. Não rias, estou falando sério. No ínicio havia o prazer do desconhecido, a atração pela intimidade não revelada. Eras um tonel de segredos inebriantes. Embriagava-me a desvendar os túneis da tua mente. Os labirintos. Aonde iam dar."*

Alguns diriam que era uma mensagem subliminar dele pra mim, que o livro não fora escolhido ao acaso, que ele espiara pelas brechas de meus dedos e escolhera este livro de contos para mostrar-me como se sentia. Mas eu sabia que ele não era assim. Subliminar não era com ele.
Olhei para os lados, encostei minha cabeça em seu ombro. Ele lia e eu continuava a repetir este trecho em minha cabeça. Fazia sentido. Eu poderia dizer que ele voltara ao passado só pra escrever aquele livro para que neste momento, sentados na varanda, ele me mostrasse o quão cansado estava de apenas doar-se pra mim, de ser tudo pra mim, de apenas ser consumido e nunca preenchido.
Meus olhos encheram-se de lágrimas ao perceber que era assim que estavámos. Que era por minhas faltas e ausências que estavámos tão longe um do outro. Que era por meu egoísmo e medo de estar só, e o medo de estar junto também. Mas por tanto tempo ele estava ali, ao meu lado. Cansado, mas continuava ao meu lado. Carinhoso sempre. Risonho sempre.
Ele continuava a ler sem perceber que eu chorava em silêncio no seu ombro. Ou talvez percebe-se e estava apenas respeitando meu tempo de reflexão. Era assim desde o começo, sempre sabia o que fazer e o que não fazer a respeito de mim. Conhecia-me melhor do que eu mesma.
E ali, encostada em seu ombro lembrei de uma frase do Caio Fernando Abreu: “Deitada no ombro dele, ela via seu rosto muito próximo. Esse era o sonho, nada mais”.
E percebendo meu silêncio, ele me olhou, colocou o livro do lado e segurou minhas mãos. Esperaria o tempo que fosse, mas não perguntaria o motivo de meu choro. Apenas esperaria eu falar. E o que eu falaria?
Abracei-o forte, senti seu cheiro. Muitas coisas passaram por minha cabeça, muitos erros que cometi, minhas ausências... Talvez, reconhecer aquilo tudo já era um passo. E era apenas dele que eu precisava. Esqueceria o limite do tempo, do espaço, meus medos e egoísmo. Era apenas dele que eu precisava e nada mais.


*Dia 21, pág 43 - O Clube dos Feios e outras Histórias Extraordinárias - Carlos Trigueiro.


03 agosto 2011

Come together


Com os olhos fechados, a única coisa da qual ela tinha certeza era do calor das mãos dele sobre as dela.

Abre os olhos. Luzes amarelas emanando dos postes. Uma brisa que lhe causava um calafrio constante. Um emaranhado de vozes desconexas. E um tapele estrelado acima do grupo de amigos.

Cada um deles refletindo sobre um assunto diferente e, mesmo assim, se entendiam.
Fosse o assunto fim do mundo, teoria das cordas ou o novo CD da Adele, os dois não estariam prestando atenção, de qualquer maneira.

A verdade é que a cerveja já tinha acabado, o sono havia chegado, a brisa fria começava a incomodar, os amigos já não falavam coisa-com-coisa e a hora de voltar pra casa há horas vencida, nada ou tudo isso não importava.

Só o calor das mãos.

01 agosto 2011

Um ano de Julho


- Alô?
- Anna.
- Sempre me surpreendo quando você reconhece minha voz assim, de primeira.
- Que saudade...
- Júlia?
- Oi.
- Tô indo pra casa.
- Como assim?
- Não tô conseguindo segurar as pontas. Não dá mais. Tentei de tudo, juro. Álcool, drogas, filme, anestesia, caridade, piada, viagem...
- Não entendi.
- Eu tô indo.
- Você vem pra cá?
- Sim.
- E teu menino?
- Terminei.
- E teus pais?
- Ficarão.
- Teus cães?
- Também.
- Teus amigos?
- Eles não aguentam mais me ouvir falar de ti.
- Então você vem?
- Vou. Tá preocupada com a reação das pessoas?
- Um pouco.
- Quanto?
- Só um pouco. Mas, a verdade é que se eu for ligar pro que as pessoas pensam eu não faria a metade das coisas que gosto. Só quero viver minha vida em paz.
- É o que eu quero.
- Não acredito que você vai deixar tudo e vir. Minhas pernas estão tremendo..
- A vida longe de quem a gente ama não parece vida. Não tem sentido. Não há ânimo em lugar algum..
- E tudo remete aqueles poucos dias, ano passado.
- Isso mesmo.
- Então você vem?
- Sim.
- Quando?
- Janeiro.
- Até quando?
- Pra sempre.